Monday, 25 October 2010

Enquanto você se diverte


Como vou tratar, neste artigo, do perigo do uso e propagação de um recente chavão em ano eleitoral, permita-me iniciá-lo com um conselho e outro clichê: se você for um otimista compulsivo e crédulo – quase a alma de qualquer personagem da Disney, com exceção dos que morrem no penhasco – aconselho abandonar este artigo, mas “se conselho fosse bom não se dava, se vendia”. Eu gostaria de vender vários para ganhar dinheiro e buscar a felicidade plena (ou quase) pela qualidade de vida, ao invés de virar um conformista como todo baiano que teima em repetir a frase “A gente se f*** mas se diverte”.


Não pretendo engrossar as estantes de auto-ajuda das livrarias que ainda restaram aqui em Salvador. Contudo, a tentativa de provocar um debate social acerca de algo que envolve política é sempre divertido. E a diversão é um placebo na cura da infelicidade. Seria eu infeliz? Não necessariamente, mas como os indivíduos citados acima, eu tampouco sou feliz, eu fico feliz. Mas apenas como qualquer outro que tem de viver no 9o país mais perigoso do mundo, com 25,6 mortes por 100.000 habitantes, segundo dados da Organização de Violência, em Genebra, apresentados por Alexandre Garcia na edição de 24 de agosto de 2010 do Bom Dia Brasil[1]. Em 2005, de acordo com estatísticas da Secretaria Nacional de Segurança Pública, o número de ocorrências registradas de crimes violentos letais e intencionais era de 40.974, uma taxa de 23,6 ocorrências por 100.000 e o de furtos era de 2.022.896, este com uma taxa de 1.163,1 ocorrências[2]. Talvez para aqueles que levam o “Carpe Diem” ao extremo, estes dados sejam amenos ou até excitantes.

Parece haver, no imaginário coletivo de grande parte dos soteropolitanos, uma confusão entre excitação – sexual – e qualidade de vida. Temos a maior festa popular do mundo (dizem as emissoras que transmitem o carnaval) e recebemos milhões de turistas todo ano. Eles vêm atrás da nossa alegria, da nossa felicidade, da nossa malemolência, do exótico. Porque lá fora, gringo não sabe ser feliz e vem aprender conosco.

Acontece que sete dias de folia passam rápido, logo o gringo volta para o país dele; no caso dos dinamarqueses, voltam para o país europeu em primeiro lugar no ranking mundial dos mais felizes. Ora, mas eles não têm nosso gingado, nosso “jeito de ser” – porque só há um jeito de ser na Bahia: alegre e extrovertido; os introvertidos são quase tão invisíveis quanto os meninos-(alegres)-de-rua. Eles não têm nossas festas nem nossos troféus de Copa do Mundo. Pois então, como isso é possível? Forbes explica:

“O fato é que bons tempos provavelmente têm mais que ver com o tamanho da sua carteira que com o tamanho da sua estante de troféus. Os cinco países mais felizes do mundo – Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia e Holanda – ficam todos na mesma região e todos possuem altos níveis de prosperidade”.[3]

A pesquisa foi feita por Gallup World Poll, entre 2005 e 2009, em 155 países. Como critério para a avaliação, eles usaram o bem-estar geral dos cidadãos, ou seja, a satisfação com a vida que levam. Perguntas foram feitas ao longo de dias acerca de quais notas dariam, baseados no dia anterior, para aspectos como o descanso, respeito, ausência de dor e engajamento intelectual. O Brasil ficou em 13o lugar no ranking mundial, atrás de países como Costa Rica, Israel e Panamá[4].

Jim Harter, um dos mais importantes cientistas do Gallup, diz que a razão por que tais países se saíram tão bem na pesquisa é que “eles cuidam de suas necessidades básicas num grau maior que outros países. Quando olhamos para todos os dados, essas necessidades básicas explicam a relação entre renda e bem-estar”.

Pois bem, eles cuidam das necessidades básicas da população. Por acaso o “sistema” ou “o Estado” lá possui uma genética élfica e sempre foi inerentemente tão bondoso que provia para o povo sem Lhe pedirem? Dificilmente. Eles viram muitas guerras por aqueles lugares e o conformismo não é uma força tão pungente. Eles não se preocuparam em criar comunidades sociais virtuais (ou reais) intituladas “A gente se f*** mas se diverte”, com 75.674 membros[5].

São mais de 75.000 desculpas para “O Sistema” ou “O Estado” daqui continuarem apropriando-se do dinheiro alheio com consentimento indireto. Ora, se diverte aquele que está se sentindo bem. Alguém honestamente já viu uma pessoa com pedras no rim e gastrite severa verdadeiramente ir se esbaldar na pista de dança? Improvável. Sendo assim, se o político corrupto lhe passa a perna e cria leis para favorecer só quem não mais precisa, rouba seu dinheiro com obras mirabolantes, e você ainda se diverte, então de fato não há o que se consertar. Não se cura de saúde, se cura de doença. Lembre-se: se for se f****, não se divirta.



[1] Vídeo e texto disponíveis em http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2010/08/brasil-e-o-nono-pais-mais-perigoso-do-mundo.html acessado em 31 de agosto de 2010 às 01:29.
[5] Consulta feita na rede social Orkut. Disponível em http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=401425 acessado em 31 de agosto de 2010 às 04:13

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