Thursday 9 September 2010

Águas de Março são imunes ao Aquecimento Global

 
Ontem, quarta-feira (08), assisti um programa da TV Cultura chamado Metrópolis. Foi bom. Exibiram uma matéria sobre a cantora de jazz norte-americana Stacey Kent, falando sobre o lançamento do álbum Raconte-Moi.... Numa entrevista informal, feita inteiramente em português, Kent se assumiu amante desta língua e, obviamente, da nossa música. Contudo, me faço a mesma pergunta do artigo  de Barbara Heckler ("É o inverno que acaba, é a neve que derrete") para a revista Bravo! de setembro de 2010, sobre a mesma cantora e sua versão em francês de Águas de Março, intitulada "Les Eaux de Mars": "Por que as músicas brasileiras escolhidas pelos versionistas são sempre as mesmas e têm pelo menos 40 anos de idade?"

Assim como Heckler, eu não me proponho a responder essa pergunta totalmente, nem parcialmente, apenas provocar uma possibilidade de resposta no leitor. Em seu artigo, ela apenas comenta esse fenômeno, mas não pareceu achar nenhum tipo de dado conclusivo. Fala de algumas versões de canções populares (popularescas) lá da Idade da Palheta Lascada de Tom Jobim (Bossa Nova, etc), pontuando antes com Carmem Miranda e Zé Carioca e todos os seus enfeites, penduricalhos e lantejoulas de Brazil e Saludo Amigos! respectivamente. A pergunta ficou suspensa até o fim e eu fiquei inquieto.

Por que isso? Por que ser sempre tão unidimensional com tudo? Cadê aquele ceticismo maroto dos bons tempos? Cadê o lado cômico-Schopenhauer de encarar os assuntos? Desconfie. A Bossa Nova passou por aqui como um tufão, isso é inegável - eu teria dito furacão, mas seria exageradamente forte e recuar para "brisa", por causa da voz sussurrante de João Gilberto, seria ofensivo aos fans. Mas depois, os indiozinhos aqui só viveram a admirar seu rastro e criar uma entidade toda-poderosa; por acaso ela nos castigará se tentarmos forçar aos outros países nossos próprios e mais novos enlatados culturais (musicais)? Quer dizer, o Brasil tem estado até expansionista ultimamente - também, com tanto brasileiro no exterior... Enfim, expansionista mesmo, porque quem ainda acha que o Brasil é o pobre garotinho negro e frágil, sofrendo bullying por parte do malvado imperialista Estados Unidos, deve procurar um psicólogo e tomar várias doses de jornais ao dia.

Ainda assim, o Brasil só tenta se afirmar pela Bossa Nova e tais ícones de uma eterna "glória do passado". Sempre vivendo dessas glórias. As Águas de Março nem ouviram falar do El Niño, mas a versão francesa de Georges Moustaki para Kent, Les Eaux de Mars, já fala de derretimento da neve. Eu assinei a Bravo! recentemente pois, há um tempo, eu a leio para descobrir o que existe de novo aqui, culturalmente. É maravilhoso que pelo menos em algum canto só se fale dessas glórias em ocasiões comemorativas. Heckler fala inclusive da "consagração internacional" de certas canções. Ora, esses jovens músicos (músicos, eu disse!) brasileiros aí facilmente se consagrariam nesse nível se quisessem. Não porque são brasileiros, mas porque paixão por música nasce em qualquer lugar e um talento bem polido leva naturalmente à consagração mundial, basta investir. Agora, não dá para investir em nada enquanto ficarmos choramingando os louros de Tonzinho, de Ary Barroso, Caetano, etc, etc, etc. Cristo, mais parecemos cachorros com um osso na boca!

Não quero dizer que os "clássicos" devem ser jogados no lixo. Jamais. Entretanto, é preciso reconhecer a diferença entre apreço saudável e saudosismo psicopata. Reconhecer a importância histórica ou comemorar datas e eventos memoráveis deveria ser algo esporádico mesmo, sobretudo uma estrutura basilar para o suporte de toda nossa evolução futura. Por que não se comemora o "Dia do Polegar Opositor"? Porque há coisas mais essenciais, já percorremos um longo caminho desde então e temos um futuro adiante.

"Por que as músicas brasileiras escolhidas pelos versionistas são sempre as mesmas e têm pelo menos 40 anos de idade?"? Porque, meus caros, o saudosismo acomete infinitamente mais sujeitos aqui que a Febre Mediterrânea Familiar e causa mais danos. Porque aqui só se encoraja continuar bajulando o pretérito. E pior fica no nível nacional: reparem que em todo fim de festa sempre tocam um sambinha lamurioso, todos os sucessos de Legião Urbana, blablabla, Balão Mágico, blerg! Graças a todos os deuses de verdade (não a Bossa Nova), inventaram MP3 e fones de ouvido, são meu antídoto para esse lambe-lambe de lágrimas. Querem cultuar a Bossa Nova e essas coisas? Evoluam daí, misturem mais, ousem mais, dêem mais chances aos novos talentos. Por favor, dêem aos gringos e a vocês mesmos uma chance de perceberem as várias facetas das identidades culturais, esqueçam de Saludo Amigos! e da Garota de Ipanema porque nem Botox segura mais aquela bunda, deixem essas nádegas musicadas descansarem! E mais importante: colaborem com os gringos, dêem a eles um novo repertório para suas versões.

Foto: Capa do novo álbum de Stacey Kent, "Raconte-moi...". Crédito: TheHindu.com

No comments:

Books I want