Wednesday 26 August 2009

Ele


Demasiadamente difícil aprender a lidar com ele. Uma pessoa cujos aspectos vão desde um bonsai a um pássaro do porto. Poderia ter feito comparações bem melhores que esta, especialmente já que falo do único ser até agora que me fez pensar num relacionamento a dois, ou imaginar como poderia ser, ou ter sido, o amor em circunstâncias de maior maturidade. Mas no fim deste texto ficará claro por que melhores comparações são dispensáveis (para ele).

Acontece que ele é como um bonsai, pois a cada conversa com ele, há de se aparar certas sentenças e cortar assuntos inteiros, para que ele não se sinta em desconforto com o passar dos dias. Se eu insisto em certas coisas, ele induzirá a si mesmo a definhar-se, deixando-me o resto da noite e do dia seguinte a imaginar se morreu para sempre ou se há algum jeito de regar-lhe vida novamente.

Assim como um pássaro de porto, ele sabe os momentos estratégicos de pedir a mínima forma de afeto ao turista (eu) que o encara. Se o observo, fica numa tenaz indiferença. E me olha de volta como todo pássaro faz, sinalizando "Você nunca vai saber até que ponto pode se aproximar, pois decolo sem aviso. Enquanto eu tenho asas e vôo, você só tem suas mãos, e o melhor que pode fazer com elas é escrever".
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Thursday 13 August 2009

Adeus


O café acabara de ser feito e ele já o ansiava. Precisava de sensações a todo instante para esquecer aquilo que ficava cada vez mais claro. Quando o chão entre a cama e o banheiro parava de riscar seus pés, quando a água quente parava de mordiscar seu corpo, quando a textura das roupas parava de alisar seus pêlos, aquele lembrete reverberava em sua mente como se vindo de fora.

Olha pela janela. Tenta ouvir o som dos pássaros no jardim. O vento se antecipa, castiga seu rosto e começa a gritar em seus ouvidos. Esses gritos são como aquele sermão da mãe que diz em consolo e vitória: "Eu te avisei". A música que acompanha o sofrimento: "Hallelujah", na versão de Regina Spektor.

Agora é tarde. Você sabe que falará com ele uma última vez. O remorso é a única força mantendo seus órgãos no lugar. Deveria tê-lo tratado melhor. Deveria ter conversado mais. Deveriam ter sido ainda mais amigos. Deveria ter preenchido todos aqueles momentos mínimos com perfeições livres de culpa. Ele já não diz uma palavra, pois também já previa tudo isso.
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Monday 10 August 2009

The Man Who Sold the World


O. W. Foto: whatdoiknow.typepad.com


Eu não diria que naquele momento eu apenas despertei, pois seria me apegar demais às antigas tradições da sociedade à qual pertencia; diria, no entanto, que conseguir manter o foco nos olhos após uma longa e boa conversa, vinho numa mão e lápis na outra, era uma sensação familiar. Aliás, ficar bêbado é uma Arte neste lugar, como tudo em realidade o é. Pelo menos é isso que vejo, é isso o que me diz aquele que você poderia chamar de "O Criador", pouco antes de se levantar da cama.

Ele tem me ensinado muito desde a minha chegada. Leva-se um certo tempo para compreender essa nova dimensão que experimento desde que morri - se é que algo tão perfeito pode ser entendido através desse termo lamurioso, que evoca tão-só a fatalidade de libertar-se de sua carcaça. Antes que se pense em tal insanidade, deixarei claro: isto aqui não é o Céu ou Paraíso, termos plantados pelo meu jocoso Guia em uma de suas obras que gerou tanta controvérsia no meu (agora) suposto lugar de origem.

Quando o leitor souber o final da História do seu planeta, a Terra, ficará angustiado por não parar de rir, pois aqui não há Tempo, fica-se livre de todas essas amarras sistemáticas e mundanas. Não, o melhor daqui é a liberdade. O próprio Autor dos humanos (como você os conhece) disse-me que Se divertiu muito, com certa perversidade, quando contou a Spielberg que tudo é tão livre ali que Ele poderia inclusive vender-lhe os direitos autorais da Sua obra, 75% OFF. Spielberg havia acabado de sair do Purgatório (como nós ironicamente chamamos aquele lugar), e enquanto esforçava-se para escrever um cheque lembrou-se que não se livrara do asqueroso Capitalismo Fundamentalista. Teve de retornar ao Estágio 01 do Treinamento de Adaptação. O diretor, que num acesso de humor rotulou-se um "has-been", disse que voltar para lá não era tão ruim, já que imaginava sempre e secretamente estar numa orgia na Área 51.

Tenho consciência de que qualquer religioso já teria excomungado este conto assim que terminasse o primeiro parágrafo, mas explicarei minha aparente arrogância. O Criador do qual falo não é a imagem onírica de Deus. Este nunca existiu. Refiro-me ao maravilhoso homem inventor de toda a saga do homo sapiens, por conseqüência o inventor de Deus.

Lembro-me de quando Ele me contou como se deu toda a História que me ensinaram na (agora) fictícia escola. Disse-me ter criado o mundo e o universo quando ainda era imaturo, começou num conto e acabou num romance. Imagina ter sido força do belíssimo ócio, não tem muita certeza, só Se recorda de tê-lo esboçado naquele estado de transe quando não nos submetemos ao sono e tampouco estamos acordados. Perguntei-lhe uma vez se não tinha receios de ser chamado de louco pela complexidade do seu sistema, eis que me é explicado o conceito de loucura deste lugar.

Aqui a Loucura é vista como um ato corajoso da mente, trata-se de se aventurar pelo desconhecido, como adentrar uma floresta à noite sabendo que logo virá a manhã para que seu progresso seja apreciado. É precisamente aquilo que justifica a nossa Inquietação natural. Numa realidade onde tudo é regido por ondas cerebrais, conexões psíquicas, nada seria mais lógico. O crime aqui é ser conformado, não há uma só alma sem traços da tal Inquietação. Nada é óbvio demais, o humor é o mais perfeito, não é preciso explicar piadas toda vez. Todos riem de piadas inteligentes, já que é esse o inevitável caminho de uma rica formação cultural.

Após deleitar-me com essas palavras doces, disse-Lhe sorrindo que achei meio cruel valer-se de privações inexistentes neste lugar e colocá-las na Terra, onde precisávamos de líderes sociais, pois o homo sapiens era demasiado bestial em seu âmago para alcançar o nível mental do homo ars. Todo artista era visto como louco no sentido doentio que a palavra ganhou, ninguém podia viver puramente do seu talento artístico, era tudo feito sob demanda, tudo sempre mirando o chão, nunca o infinito. Sorri por achar genial isso, agora que vivo num Socialismo que cultua o Individualismo dentro da Arte.

Depois de uma boa tarde juntos na rede, perguntei a Ele como julgara sua estadia no próprio mundo que criou. Respondeu com aquela famosa feição sarcástica Dele, eternizada em uma estátua, que não poderia achar mais engraçado ser condenado por uma das coisas que ele mais amava na vida e ser absolvido completamente por outra. Esta última se refere à sua Arte. Aquele sarcasmo me faz tão bem. Ele o usava constantemente, era fã da metalinguagem, por isso enquanto escrevia o conto da Terra, escreveu a Bíblia e outros compêndios dogmáticos, além de peças e novelas ironizando a vida na sociedade inglesa do século XIX. Enchi Seu copo de vinho. Ele me chamou de pseudo-patrício. Eu disse que amava esse lado Dele. Ele me disse que Se baseou em mim quando escreveu sobre Dorian Gray, só que quando me criou esqueceu de adicionar toda a beleza. Respondi que havia ficado satisfeito com o lapso, me ajudara a chegar lá e merecer ficar ao Seu lado.
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Thursday 6 August 2009

Springtime for Kafka

O Processo contra o Lado de Fora




Certa manhã, ao despertar de sonhos intranqüilos, Franz Kafka encontrou-se em sua cama metamorfoseado num monstruoso... homossexual. Metamorfoseado não seria a palavra ideal, pois implicaria em transformação, o que indicaria alteração de um estado anterior do ser e isso seria definitivamente um exagero neste caso.

Eis o ocorrido: Franz Kafka teve uma epifania ao perceber somente então que a suposta cegueira paterna, com relação à sexualidade dos filhos, algum dia é curada espontaneamente. E naqueles tempos o Saramago não andava enlouquecendo-nos com suas verdades ácidas... Ah não. Mesmo que o fizesse, Hermann Kafka não perderia seu tempo lendo, afinal alguém tinha de cuidar dos negócios da família - e Hermann sabia que em casa não tinha outro homem para isso.

Desde que se meteu com a área do Direito, Franz Kafka - o qual a partir deste parágrafo será chamado de "K." - adquiriu a arrogância de achar que ao esconder-se atrás de pilhas e pilhas de processos, ele se veria livre do confronto diário com o pai e com aquele (metafórico) elefante purpurinado sentado à mesa para o jantar, rindo-se de tudo aquilo.

Ora, o pai de K. certamente ouvira, de uma forma ou de outra, de seus noivados com belíssimas donzelas. Nossa, quanto bom gosto esse meu filho tem! E compromisso?! Hah! O verdadeiro homem varonil aproveita a juventude, vira conquistador, deixando as moçoilas em casa a mendigar-lhes a atenção. Eu mesmo só casei porque não teve jeito. O filhão está no caminho certo. Ah, se ao menos a realidade refletisse a verdade...

Como ele faz isso? Que tipo de visão onipotente esse Hermann Kafka haveria de ter? Se me perguntassem, diria que não culpo K. pela sua angústia. Sua mãe acreditava em seu teatrinho, custava ao pai fazer um agradinho também? Afinal, K. nunca pedira para nascer, foi regurgitado por meios vagínicos neste mundo sem autorização! Mas que violação de Direitos Pré-Existenciais! Imagino como o mundo reagirá quando alguém finalmente resolver processar o pai tirano por isso.

Ah sim, os processos, a ejaculação da burocracia. E como K. adorava manuseá-los! Do seu (metafórico) Forte Militar formado por resmas jurídicas, K. imaginava acabar logo com tudo aquilo para curtir a night do seu século com os amigos. Pasmem, meu ex-colega (e flerte secreto) inclusive sonhava em virar uma traça, para poder devorar todos aqueles papéis. Na verdade, não importava qual inseto, desde que se alimentasse daquela terrível e enclausuradora celulose.

Sobretudo por reminiscências como essa eu senti sua falta naquela manhã. Deixei o trabalho e fui procurar meu frágil amigo. Tive fácil acesso ao seu quarto, uma vez que os pais de K. não questionariam um "Oficial de Coisas Jurídicas do Governo". K., atordoado com sua metamorfose, me pediu ajuda; fui pego pelo seu gaydar.

K. sabia que o juri popular foi acionado, alguém já o acusara. Mas quem? Precisava condenar esse difamador para ser absolvido. E eu iria ajudá-lo.



Continua...
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