Friday 23 July 2010

RESENHA: "Os moedeiros falsos"



Pouco depois de encontrar Franny and Zooey de J. D. Salinger na livraria, avistei Os moedeiros falsos de André Gide. Dele, o que eu mais procurava mesmo, confesso, era O pombo-torcaz, cujo único exemplar disponível estava nas mãos de algum cliente. Instintivamente, e por um ciúme infantil, agarrei-me ao exemplar que agora apreciava. Enamorava-me por sua escrita desde a primeira página e tive ciúme dos avanços anteriores dos outros nela e nas seguintes.

Os moedeiros falsos foi escrito em 1925 – alguns dizem 1926 – por André Gide (1869-1951), ganhador do Prêmio Nobel em 1947. O título sugere algo que o conteúdo meramente pontua, como uma vírgula, sem a qual, entretanto, todo o resto não faria muito sentido ou pareceria precariamente fabricado e artificial. Este é também o nome do livro a ser escrito por um dos três personagens centrais: Édouard, tio de Olivier, o melhor amigo de Bernard. É interessante como a moeda falsa serve como objeto de metáfora, de metalinguagem e da intriga.

Até cerca da metade do livro, tem-se a impressão de que essas moedas falsas simbolizam cada personagem que se oferece e barganha uma estima alheia maior que a qual lhes cabe. Moedas manufaturadas, como aquela mostrada por Bernard durante uma conversa sobre o livro de Édouard (sem uma linha escrita sequer), quando ele diz achar melhor apresentá-la desde o início como um “fato bem exposto” ao invés de “partir de uma ideia”. Esta mesma moeda revelada a seus ouvintes, momentos depois, acaba por denunciar seu forjador – o qual é mencionado no começo, aparece perto do final e some rápido de circulação, não sem deixar prejuízos.

Gide obedece muito bem a organização de um romance, não há personagens jogados à sorte, todos os mencionados aparecem outras vezes para fechar um ciclo ou ligá-lo a um segundo, não importa o quão sutil. Aqui ele mostra que sabe escrever tanto para críticos quanto para o próximo leitor. Há aqui um cuidado, uma finesse narrativa, um “Ne me quitte pas!” de um amante que com charme e lábia lhe convence a deitar-se um pouco mais, virar cada página e despi-lo, cada passada de folha uma nuance mais convidativa.

Édouard sugere que sua estória não seria limitada por um tema só e portanto emularia a própria vida com seus eventos ad continuum e suas conseqüências nem sempre auto-solucionáveis. Assim também é este livro, por isso me agradou tanto essa leitura, alegro-me por começar a penetrar o mundo literário deste escritor com ele.

Como disse antes, pretendia ler O pombo-torcaz primeiro. Li uma pequena matéria sobre ele na revista Bravo! de agosto de 2009, na qual o jornalista e escritor José Castello questionava se “Existe uma estética homossexual?”. Nela, Castello mostrava certos autores homossexuais e o elo que mantinham entre a escrita e as relações homoeróticas. Enquanto uns exaltavam-nas ou depreciavam-nas, André Gide não as encarava com a afetação de Oscar Wilde (de quem era admirador, inclusive) ou o desdém de Marcel Proust. Ele era a favor do liberalismo sexual onde elas fossem vistas de modo natural, como o lazer e a interação dos sexos opostos.

O pombo-torcaz é também o apelido (carinhoso, arrisco dizer) que o autor deu a um rapaz com quem tinha relações no verão de 1907 em Toulouse. Ferdinand Pouzac fora assim chamado porque “arrulhava” feito um pombo quando eles faziam amor.

Há também a homoafetividade em Os moedeiros falsos, mas mesmo ela sendo importante como um contexto, talvez, ela é só um detalhe, quase tão discreta quanto outras ali das quais só podemos suspeitar. Eis o encanto: o livro não é um pretexto para levantar bandeiras de militância ou para ejacular as fantasias sexuais do autor tal qual um conto erótico vulgar de internet. Muito menos chega a ser um cenário tipo Homoville, onde até as pedras são gays; os personagens heterossexuais são representados igualmente, sem distinção.

Esta edição que tenho é muito boa, publicada pela Estação Liberdade em 2009, com tradução de Mário Laranjeira, impressa em papel pólen soft. Este não é um livro transformador. O pombo-torcaz tampouco deve ser. Mas ele causa boas sensações, é agradável de diversas maneiras. Não é o marco das obras de André Gide, contudo eu o considero uma belíssima apresentação. A única parte que não gostei é que perto do fim ele lhe prende, ou seja, para aquele leitor que gosta de terminar cada capítulo e guardar o próximo para depois, chegar ao parágrafo final e ver que acabou é tão ruim quanto morrer de fome e perceber que aquela era a última colherada de uma sobremesa incrível.


Dados técnicos:
Os moedeiros falsos
Título original: "Les Faux-Monnayeurs"
André Gide
Tradução de Mário Laranjeira
São Paulo: Estação Liberdade, 2009
ISBN 978-85-7448-160-9
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Saturday 10 July 2010

O Bolero e o Walkabout (Resenha de "Franny and Zooey")




Após o último romance que li (“O lobo da estepe”, de Hermann Hesse), busquei uma leitura que me descentralizasse (além de “A identidade cultural na pós-modernidade”, de Stuart Hall). Incidentalmente, “Franny and Zooey” reluz aos meus pés, um de dois exemplares (ao menos em inglês) em toda a loja. Apostei, investi em J. D. Salinger sem medo de perder. Ganhei.

Franny and Zooey”, publicado em capa dura em setembro de 1961 pela editora Little, Brown and Company (em New York); é uma junção de duas estórias publicadas na revista The New Yorker: “Franny” em janeiro de 1955 e “Zooey” em maio de 1957. Trata-se do casal mais novo dentre os sete irmãos da família Glass – Franny, 20 anos, aspirante a atriz, revoltada com os egos inflamáveis do meio acadêmico que freqüenta, é a primeira parte do livro e nos introduz à parte seguinte, Zooey, 25 anos, ator profissional, usa seu sarcasmo e humor ácido para criar um caos do qual só ele pode extrair a ordem na casa daquela família que, dos sete prodígios, perdeu dois: um, o mais velho, Seymour, por suicídio; o outro, Walt, um dos gêmeos, foi morto em guerra.

Com esses elementos, é natural pensar que é um romance de sofrimento, de fardo, ou algo muito sentimentalista, mas não é o caso. Talvez fosse, com outro escritor. Não quero dizer com isso que sou perito em estilismos literários ou um connoisseur da obra de J. D. Salinger. Tampouco sou um desses intelectualóides que lêem livros só pela grandeza do autor e fingem que estão sempre prontos para ir a um banquete de literatos da Londres do século XIX.

O primeiro livro que li de Salinger foi “The Catcher in the Rye” (“O apanhador no campo de centeio”, no Brasil), pois tinha lido um belo excerto dele no perfil do Orkut de um amigo e, ao visitá-lo em Curitiba, fomos comprá-lo (não o achava aqui em Salvador). Quem já leu sabe que não é livro de culto ou auto-ajuda, sequer tem a intenção de revolucionar a vida de alguém. Mas tem um forte apelo, pode ser até o que chamam de “Leitura de Formação do Indivíduo”; tem uma fluidez narrativa e de diálogo que parecem denunciar sua autoria.

Essa fluidez, essa musicalidade no contar da estória, combina perfeitamente com a temática zen de “Franny and Zooey”. Nada nela é doutrinário, há apenas um debate sobre filosofias e literaturas de religiões como catolicismo e budismo, é também sobre como, onde e se a fé deve ser buscada.

É indiscutível que a música clássica, por sua complexidade, fica gravada em algum canto da nossa mente depois de ouvirmos. Creio que, da mesma forma, os livros realmente bons que lemos ficam impressos em nós mesmos após a leitura. Para celebrar minha leitura deste livro (não é o melhor de todos, mas é ótimo), escrevo esta resenha ao som do Bolero de Ravel, uma sinfonia que ouvi nos primeiros anos da infância (creio que aos 5 anos de idade) e que me acompanhou a vida inteira por ser uma extraordinária marcha que, ao meu ver, conta a história do Começo do Universo e tem em seu Fim a harmonia e o estrondo.



Franny and Zooey
J. D. Salinger
Little, Brown and Company
ISBN-10: 0-316-76949-5
202 páginas
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