Tuesday 23 September 2008

O Poder Idiótico

Por Caloan Walker

“‘Cada um no seu quadrado, cada um no seu quadrado’, é isso, meus queridos alunos, o que aquele filósofo grego muito doido quis dizer e é essa a base para a nossa filosofia moderna”. Eis que reverbera o grande ensinamento da atual sociedade, palavras proferidas por um professor que personifica momentaneamente toda a sabedoria de uma sociedade idiocrática, provavelmente em um futuro próximo, da qual o filho do leitor terá o privilégio de participar.
A Idiocracia já é uma realidade em uma certa parte da sociedade ocidental. Ela tem fundamentos lindíssimos, inabaláveis, ela seduz e vicia as mentes daqueles que só se preocupam com o mínimo de tudo e que tomam pragmatismo por preguiça estruturada, a preguiça de sair da inércia confortável da fórmula sofá-TV ordinária.
O primeiro – e talvez único – fundamento real da Idiocracia é a ilusória sensação de liberdade trazida pelos principais meios de comunicação. Numa estrutura neo-capitalista é ensinado que o padrão deste lado do mundo é o melhor pelas escolhas proporcionadas. E é instigando aquele sentimento de “eu assisto o que eu quiser e o pobrema (sic) é meu” que se alimenta o regime idiocrático. Todos têm o direito de ver o que quiser e querer o que quiser – exceto quando esses direitos referem-se a condições básicas de vida, esses são chatos e políticos e acabam com a diversão, e por Deus, ninguém jamais iria querer isso.
E diversão é a palavra-chave nisso tudo. Esse “tsunami idiotizante” que assolou a geração de jovens a qual então julgavam não politizada e compostas por rebeldes sem causa, essa adoração ao tosco, ao bizarro vazio, teve como cláusula pétrea a diversão.
Dos EUA importamos o Jackass, programa em que um ser com admirável desprezo pelos limites do ridículo realizava experimentos nele mesmo e em alguns de seus amigos. “Experimentos científicos?” questiona o leitor que ainda pode ler e assimilar informações. Óbvio que não, é tudo pela risada. Vários adolescentes que queriam impressionar o resto do bando se empenhavam em aprender cada truque, muitos foram feridos e alguns mortos, mas morte é assunto sério e desfoca o aspecto principal deste texto. Além disso, enquanto houver um belo chute no saco a cada fim de semana, haverá gargalhadas banhando a dor de um sujeito que poderá nunca mais ter filhos.
Alguns podem até questionar que essa nova epidemia não é um mal completo, afinal nunca se viu tantos anões, travestis, gordinhas, etc., aparecerem na TV para assegurar a dose diária de risos sádicos do telespectador. Afinal, tem coisa mais engraçada que um anãozinho dançando qualquer coisa, especialmente sobre um quadrado? Essas “minorias” serão os coringas daqui para frente, afinal suas formas não se encaixam nos moldes sensuais propagados nos nossos vestíbulos invisíveis.
Sensualidade e erotização são a mesma coisa. Erotizem tudo, desde as crianças aos idosos. Tudo tem que ser e será vendido. Tudo isso é parte do pacote. Há agora cerca de 18 anos desde que o erótico era velado nas músicas, como no pagode. Não, oh não, agora é tudo melhor, tudo mais mastigado e escancarado para que não se perca tempo desvendando metáforas, analogias. Agora a lei é que se o nome da moça for Marieta, imediatamente ponha a mão nas genitálias da mesma.
De agora em diante, pense duas vezes antes de colocar algum nome na sua filha cuja terminação seja “eta” ou “ota”. E como a fascinação brasileira por nádegas é declarada, tome cuidado se pretende colocar o nome da sua filha Marilu, ou ela poderá nunca mais defecar na vida com tantas mãos atrás. Talvez considerem chamá-la de Raimunda para suavizar os danos.
Por outro lado, os pais da “já tão nova e já ninfeta” Raimunda poderiam ficar desprocupados caso esta honre a rima do nome, há sempre uma vaga para moças apetitosas em reality shows e propagandas de cerveja.
“Ah, mas o público-alvo dos fabricantes de cerveja é o homem, tem que ter mulheres mostrando o útero nas propagandas”, ecoa o argumento do fulano – ou fulana – esperto, “e os homens respondem mais a essa linguagem, é a linguagem do povão”.
De fato, ninguém venderia cerveja citando Platão, no entanto faz-se presente a partir deste ponto um outro mandamento idiossincrático do Novo Regime: o racionamento de neurônios. As pessoas ainda acreditam que o cérebro delas é como um disco rígido de computador ou um pen drive, com um limite de informações que podem caber lá, portanto adiciona-se à fórmula a “autofágica” discussão “faz-se assim porque o povão não tem educação” e “o povão não tem educação porque tudo se faz assim”.
Primus não virou febre com um jingle sensacional não-pornográfico? ANobel não está com uma propaganda muito bem-feita sem vulgaridade? O whisky Johnnie Walker não aparece sempre com uma publicidade perfeita? Tudo bem, a Primus pode não ter durado tanto nos comerciais, mas com certeza marcou uma época. E até o povão fica impressionado com as propagandas do Johnnie Walker, pergunte qual marca de whisky eles conhecem. Não se vê o Johnnie Walker tentando lançar a Marieta Walker para vender seu produto aos brasileiros.
A Idiocracia é real e busca suplantar qualquer império. Tem escudos blindados como a “liberdade de expressão”, a “variedade de escolhas” e o “racionamento de neurônios”. O que os futuros responsáveis pelos principais meios de comunicação podem fazer para dar um limite a ela ainda é algo incerto. A única saída para aqueles que almejam a salvação é sentar sua “Raimunda” e estudar até seu “Marilu” doer, buscar inovação e sair dos clichés, etc, antes que ela o pegue, caro leitor, e lhe dê um “créu” na velocidade de 250km/h.

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