Tuesday, 23 September 2008

V de Varlam


Por Caloan Walker

Minhas Bibliotecas

Varlam Chalámov
In:
A Paixão Pelos Livros, 2004, 152 pp.
Editora Casa da Palavra



Em um livro rico em relatos de escritores e personalidades diversas ligadas aos livros de alguma forma, Chalámov deixa claro já no título que se trata de um conto auto-biográfico; o que o destaca, contudo, é o frio seco da angústia que ele causa no leitor com sua história inter-carceressobre como a única coisa mantendo-o aquecido na hipotérmica região soviética era o esporádico contato com os livros, o hábito literário e a esperança de conseguir angariar preciosos compêndios para formar sua onírica biblioteca particular num tempo de tolerância zero aos bibliófilos sob a ditadura stalinista.

Apesar de ter sido delatado às autoridades vigentes pelo próprio cunhado, pelo simples ato de ter adquirido uma coleção de livros considerados pelo aculturado “quase-parente” como “literatura suspeita”, Chalámov não perde tempo ruminando mágoas; pega então o leitor pelas mãos e o leva a Butírskaia, uma espécie de purgatório onde qualquer leitura era liberada para os detentos justamente por se tratar, muitas vezes, da última.

Passa-se quase uma década até que o autor tenha algum contato com os tão amados livros, eis que uma doença o livra do penoso trabalho mineiro e ele se vê frente a frente com A queda de Paris, de Erenburg. Após tanto tempo de abstinência textual, naturalmente seu cérebro o castiga pela absurda mas compreensível subserviência.

A forma como Chalámov narra esse primeiro reencontro (e, em partes, alguns outros ao longo do texto), ávido com seu instinto de auto-preservação e fomentação da vida intelectual e da sensibilidade inerente a essa, muito se assemelha em espírito com uma cena do filme V de Vingança (2005).

O longa do diretor James McTeigue conta a história de um sujeito meio “anti-herói” conhecido apenas por “Codinome V” (Hugo Weaving) que almeja reavivar na mente dos ingleses do século XXI o que representou o 05 de Novembro de 1605 no passado da Inglaterra – usando uma máscara de Guy Fawkes, símbolo-mor da Conspiração da Pólvora que falhou pela sua prisão, V pretende explodir o Palácio de Westminster para matar os representantes do governo ditatorial instaurado pela manipulação da opinião pública através da manjada tática do pânico (falsas epidemias e campanhas anti-terror). Todavia nesse processo V resgata Evey (Natalie Portman) das mãos dos Fingermen (polícia secreta) ao desrespeitar o toque de recolher e posteriormente quando ele invade uma emissora de TV para propagar suas idéias e denunciar as falácias do Parlamento para toda a população.

Evey, cujos pais foram ativistas políticos contra o governo, é declarada então inimiga do Estado ao se aliar a um “terrorista”, fato só entendido pela mesma ao acordar num ambiente estranho, com toneladas de livros em inúmeras prateleiras. Ela ouve os ideais de V e decide ajudá-lo, no entanto o medo da morte iminente fala mais alto e no meio de um dos planos ela foge.

A jovem é por fim detida após a morte de um amigo que a hospedava; encarcerada, é também torturada à la carte a fim de revelar às autoridades a identidade do terrorista mascarado, quando descobre numa fenda de sua cela pedaços de uma longa carta escrita diariamente em papel higiênico por uma homossexual vítima da tirania inglesa de então. Todos os dias Evey retornaria à cela após horas a fio de tortura, e a única coisa mantendo a sanidade da moça, que testemunhou o assassinato dos pais ativistas em sua própria casa ainda uma tenra criança, é cada palavra escrita num pedaço pequeno de papel higiênico.

Chalámov pode não ter tido vizinhos tão solidários assim na penitenciária, mas contou com a sorte do acaso mais de uma vez. Antes do contato com A queda de Paris, por exemplo, apareceu uma boa alma chamada Vladimir Mikháilovtch Smirnov, seu superior e ex-presidiário, que inclusive se arriscou ao lhe pôr a par, através de uma pilha de jornais, de um processo importante da época envolvendo Ríkov.

Enquanto muitos leriam os relatos de Chalámov como uma série de desventuras apenas, poucos poderiam entender que em realidade a sorte muitas vezes é irônica e beira a sordidez. Não fosse por uma doença, não teria ele passado pelo “Milagre de Erenburg”, tampouco teria ele chegado a um hospital de tratamento digno em Biélitchia, onde se encontrou com A juventude do rei Henrique IV, de Heinrich Mann, se uma enfermidade não o acometera.

É necessário perceber que a história da ligação de Chalámov com os livros (que definiu todo o enredo da sua vida) resume-se em uma palavra: resiliência. Não tivesse ele essa habilidade de acumular energia, notavelmente a energia mental, através da sede de leitura, certamente teria caído na leviandade e por conseqüência no conformismo.

E conformismo é a eutanásia dos intelectuais, das pessoas cultas; consiste em aceitar aqueles discursos mansos, recheados de falso humanismo e argumentos que assassinam debates, trocas de idéias, debates esses que ao morrerem nos ouvidos selados dos conformistas que buscam justificativas até no sobrenatural, se for possível, para – mesmo que inconscientemente – evitar mudanças, são escoados para as páginas de um bom livro.

A prisão é uma punição que ao menos deveria ser eficaz. Quando se é preso por arbitrariedade e se é sabido que nada pode ser feito para ser solto, nem mesmo ter seu caso julgado justamente, é necessário buscar refúgio em algo útil como a própria razão humana, a qual geralmente vem em forma literária. O que Chalámov e Evey buscavam nos textos não eram palavras prolixas ou clichés, mas a passionalidade racional do Homem, aquela presença intocável, virtual, de outrem, até em meio à hostilidade e a indiferença.

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O Poder Idiótico

Por Caloan Walker

“‘Cada um no seu quadrado, cada um no seu quadrado’, é isso, meus queridos alunos, o que aquele filósofo grego muito doido quis dizer e é essa a base para a nossa filosofia moderna”. Eis que reverbera o grande ensinamento da atual sociedade, palavras proferidas por um professor que personifica momentaneamente toda a sabedoria de uma sociedade idiocrática, provavelmente em um futuro próximo, da qual o filho do leitor terá o privilégio de participar.
A Idiocracia já é uma realidade em uma certa parte da sociedade ocidental. Ela tem fundamentos lindíssimos, inabaláveis, ela seduz e vicia as mentes daqueles que só se preocupam com o mínimo de tudo e que tomam pragmatismo por preguiça estruturada, a preguiça de sair da inércia confortável da fórmula sofá-TV ordinária.
O primeiro – e talvez único – fundamento real da Idiocracia é a ilusória sensação de liberdade trazida pelos principais meios de comunicação. Numa estrutura neo-capitalista é ensinado que o padrão deste lado do mundo é o melhor pelas escolhas proporcionadas. E é instigando aquele sentimento de “eu assisto o que eu quiser e o pobrema (sic) é meu” que se alimenta o regime idiocrático. Todos têm o direito de ver o que quiser e querer o que quiser – exceto quando esses direitos referem-se a condições básicas de vida, esses são chatos e políticos e acabam com a diversão, e por Deus, ninguém jamais iria querer isso.
E diversão é a palavra-chave nisso tudo. Esse “tsunami idiotizante” que assolou a geração de jovens a qual então julgavam não politizada e compostas por rebeldes sem causa, essa adoração ao tosco, ao bizarro vazio, teve como cláusula pétrea a diversão.
Dos EUA importamos o Jackass, programa em que um ser com admirável desprezo pelos limites do ridículo realizava experimentos nele mesmo e em alguns de seus amigos. “Experimentos científicos?” questiona o leitor que ainda pode ler e assimilar informações. Óbvio que não, é tudo pela risada. Vários adolescentes que queriam impressionar o resto do bando se empenhavam em aprender cada truque, muitos foram feridos e alguns mortos, mas morte é assunto sério e desfoca o aspecto principal deste texto. Além disso, enquanto houver um belo chute no saco a cada fim de semana, haverá gargalhadas banhando a dor de um sujeito que poderá nunca mais ter filhos.
Alguns podem até questionar que essa nova epidemia não é um mal completo, afinal nunca se viu tantos anões, travestis, gordinhas, etc., aparecerem na TV para assegurar a dose diária de risos sádicos do telespectador. Afinal, tem coisa mais engraçada que um anãozinho dançando qualquer coisa, especialmente sobre um quadrado? Essas “minorias” serão os coringas daqui para frente, afinal suas formas não se encaixam nos moldes sensuais propagados nos nossos vestíbulos invisíveis.
Sensualidade e erotização são a mesma coisa. Erotizem tudo, desde as crianças aos idosos. Tudo tem que ser e será vendido. Tudo isso é parte do pacote. Há agora cerca de 18 anos desde que o erótico era velado nas músicas, como no pagode. Não, oh não, agora é tudo melhor, tudo mais mastigado e escancarado para que não se perca tempo desvendando metáforas, analogias. Agora a lei é que se o nome da moça for Marieta, imediatamente ponha a mão nas genitálias da mesma.
De agora em diante, pense duas vezes antes de colocar algum nome na sua filha cuja terminação seja “eta” ou “ota”. E como a fascinação brasileira por nádegas é declarada, tome cuidado se pretende colocar o nome da sua filha Marilu, ou ela poderá nunca mais defecar na vida com tantas mãos atrás. Talvez considerem chamá-la de Raimunda para suavizar os danos.
Por outro lado, os pais da “já tão nova e já ninfeta” Raimunda poderiam ficar desprocupados caso esta honre a rima do nome, há sempre uma vaga para moças apetitosas em reality shows e propagandas de cerveja.
“Ah, mas o público-alvo dos fabricantes de cerveja é o homem, tem que ter mulheres mostrando o útero nas propagandas”, ecoa o argumento do fulano – ou fulana – esperto, “e os homens respondem mais a essa linguagem, é a linguagem do povão”.
De fato, ninguém venderia cerveja citando Platão, no entanto faz-se presente a partir deste ponto um outro mandamento idiossincrático do Novo Regime: o racionamento de neurônios. As pessoas ainda acreditam que o cérebro delas é como um disco rígido de computador ou um pen drive, com um limite de informações que podem caber lá, portanto adiciona-se à fórmula a “autofágica” discussão “faz-se assim porque o povão não tem educação” e “o povão não tem educação porque tudo se faz assim”.
Primus não virou febre com um jingle sensacional não-pornográfico? ANobel não está com uma propaganda muito bem-feita sem vulgaridade? O whisky Johnnie Walker não aparece sempre com uma publicidade perfeita? Tudo bem, a Primus pode não ter durado tanto nos comerciais, mas com certeza marcou uma época. E até o povão fica impressionado com as propagandas do Johnnie Walker, pergunte qual marca de whisky eles conhecem. Não se vê o Johnnie Walker tentando lançar a Marieta Walker para vender seu produto aos brasileiros.
A Idiocracia é real e busca suplantar qualquer império. Tem escudos blindados como a “liberdade de expressão”, a “variedade de escolhas” e o “racionamento de neurônios”. O que os futuros responsáveis pelos principais meios de comunicação podem fazer para dar um limite a ela ainda é algo incerto. A única saída para aqueles que almejam a salvação é sentar sua “Raimunda” e estudar até seu “Marilu” doer, buscar inovação e sair dos clichés, etc, antes que ela o pegue, caro leitor, e lhe dê um “créu” na velocidade de 250km/h.
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