"Eu quero a sorte de um amor tranqüilo,
com sabor de fruta mordida"
( "Todo o amor que houver nessa vida", Cazuza)
Você ficou aninhado no meu peito enquanto seus instintos o prenderam lá. Então, de repente, agita as asas silenciosamente e declara que não é mais meu cativo. Lá se foi, a divertir-se pelas vizinhanças, até que um dia encontrou algo reluzente na água que te fez desviar e mergulhar em sua direção.
Era um peixe. Mas que pena, você nunca soube o que era sentir fome - estando tão habituado a ser alimentado ou ao menos ter comida à disposição sempre -, não soube dizer se era o tipo de peixe que gostava ou não. Todavia, se ligou ao dono dele e dias se passaram carregando aquele perfume da amizade no ar. Ele te cativou. Que bem isso lhe fez? Ficou faminto e aquele homem não lhe permitiria saciar-se com aquele peixe, nem lhe proibiria. Um dia você acorda, ambos se mudam e sua fome só diminui com memórias do que poderia ter acontecido.
Você ainda é jovem, pensou, e após um tempo alça-se num vôo de dois dias a uma terra mais ao sul. Você acha que morreu e foi para o Céu. Era tudo perfeito. Você faz de lá a sua casa por mais de dois anos mas sendo o artista blasé que é, vai embora numa saída triunfal, dizendo a si mesmo que é, de fato, jovem demais para prender-se eternamente ao Céu. Você estava era com medo.
No caminho de volta, acha um farol e a comida agora vem em pares. São deixadas de bom grado, mas sempre apenas uma metade te atrai mais. Apesar da ótima hospitalidade, você odiaria ver a comida apodrecer e desperdiçá-la. Sabe que não pode viver lá, não pode morder as mãos que o alimentam. Portanto, só volta lá quando é chamado.
Você pára um momento e vê aqueles que são como você. Quando não conseguem prover para eles mesmos, ou furtam ou buscam restos. De qualquer forma, nunca é possível se satisfazer totalmente, mas dá para viver. As estações passaram e você conseguiu manter um segredo. A fome apareceu de verdade, no instante que você o viu. Mas ele é muito enigmático, você pensou. E se você for abruptamente e a toda velocidade e algo frustra mais outra tentativa, outra esperança?
Aí você vê que a casa fica vazia e o dono mais encantador. É algo mais sedutor que um peixe, e aparentemente mais aconchegante que um farol. Sua fome não é mais traduzida em atrações ilusórias, e a luz não emana do ambiente, mas dele mesmo. Brilha através dos seus olhos castanhos claros e sorriso tímido. Além disso, você se delicia com o som da risada dele. Você toma uma decisão: se a oportunidade aparecer, você contará a ele o seu segredo.
Eis que aconteceu. Você falou. Você tentou. Mas ainda parece ser bem-vindo lá. Mais uma vez, a amizade vence. Três vezes você deixou o amor correr livremente pelas artérias. E eu aqui, escrevendo-te esta carta, que será usada para enrolar seu "peixe com fritas", para lembrar-lhe de sair em retirada antes de voltar a se desdobrar todo por alguém. Eu te segui todo esse tempo, seu imbecil teimoso. Não vai demorar muito e o amor virá te caçar, com mais vigor e mais afiado que nunca. Mas seja mais racional.