"You got a reaction, didn't you?" (JW)
Eu tinha uma orquídea branca. Na verdade, eu não a tinha, ela acabou nascendo sabe-se lá como em uma mochila velha que deixara do lado de fora do quarto sob a janela. Coloquei a mochila naquele canto pois ela representava a possibilidade de viajar para longe, e como eu fiquei preso a estas terras ela também deveria ficar. Enfim: mudança nas estações, condições climáticas favoráveis, efeito estufa, blablabla - ela brotou ali.
Uma coisinha verde, frágil, aparentemente débil, como toda outra planta germinando aos poucos. Estranhamente floresceu no inverno, quando eu conheci o senhor Luiz Gasmar. Ele era novo aqui. Ou só quis aparecer daquele momento em diante. Ele contou-me que tornou-se botânico após a morte de uma rosa que ele cultivava com toda sua dedicação. Eu contei a ele sobre a minha orquídea branca.
A orquídea ficava mais bonita a cada minuto. Eu esperava que ela fosse morrer rápido, como todas as outras que já tive por perto. São frágeis demais. Requerem mais atenção que uma rosa. Resolvi mostrá-la ao Luiz Gasmar. Ele não ficou muito impressionado. Preferia as rosas. Perguntei se poderia ajudar-me a cuidar dela mesmo assim. Evasivamente ele dava um ou outro conselho, daqueles "de um e noventa e nove". Isso se eu pedisse com esmero.
Nesse ano o inverno se prolongou. Levei a orquídea até o Luizinho Gasmar, à noite, no fim do seu expediente. A temperatura caindo a cada passo meu. Ao encontrá-lo, estendi-lhe a orquídea. Ele parecia não entender minha mensagem, e a tantos graus desabando quase ao zero, ele decide molhá-la. Ele sabia que iria matá-la.
Deixo o lugar imediatamente, bastante confuso. Ele deveria saber o que faz, mas acabou decidindo ignorar a própria experiência. No dia seguinte, foi me procurar. O clima tenso paralizou a morte da orquídea, que já estava caída. Alguns pedaços jaziam ao seu redor, como um mosaico gótico. O Luizinho Gasmar reconheceu o erro que cometera. Decidiu ajudar-me a revitalizá-la. Pôs ela de pé. Fez alguns ajustes. Ficamos um par de dias cuidando dela.
Tive de retomar minha rotina. Luiz Gasmar me disse que a orquídea branca iria morrer, pois era um ciclo, e eu deveria entender isso. Cada vez que ele dizia isso naqueles dois dias, uma muda da orquídea se insinuava mais e mais próxima à sua matriz. No fim daquele episódio de nossas vidas, dei a muda da orquídea branca para o Luizinho Gasmar. Ele recusou de início, dizendo que já que a minha iria morrer logo, eu deveria ficar com a nova.
O Luizinho Gasmar conheceu muitas rosas, e muitas outras verá. A orquídea que lhe dei pode não ter impressionado o botânico, mas quem gosta das flores percebe a singularidade de uma espécie tão rara, oriunda de apenas um lugar. Ele não a jogará fora, sei disso porque me disse que não faria. Já quase matou uma, não mataria a outra.
Luizinho, meu caro Luizinho. Meu amigo Luiz. Meu belo Luizinho. Meu complicado Luiz. Meu caro amigo belo e complicado, Luizinho Gasmar, quero que saiba disto: a minha orquídea branca não morreu. Para não contrariar seu conhecimento botânico e a lógica da natureza, deixei ela escolher a morte. Mas não quis, foi resiliente. E viverá para sempre pois a pintei de azul.