Saturday, 10 July 2010

O Bolero e o Walkabout (Resenha de "Franny and Zooey")




Após o último romance que li (“O lobo da estepe”, de Hermann Hesse), busquei uma leitura que me descentralizasse (além de “A identidade cultural na pós-modernidade”, de Stuart Hall). Incidentalmente, “Franny and Zooey” reluz aos meus pés, um de dois exemplares (ao menos em inglês) em toda a loja. Apostei, investi em J. D. Salinger sem medo de perder. Ganhei.

Franny and Zooey”, publicado em capa dura em setembro de 1961 pela editora Little, Brown and Company (em New York); é uma junção de duas estórias publicadas na revista The New Yorker: “Franny” em janeiro de 1955 e “Zooey” em maio de 1957. Trata-se do casal mais novo dentre os sete irmãos da família Glass – Franny, 20 anos, aspirante a atriz, revoltada com os egos inflamáveis do meio acadêmico que freqüenta, é a primeira parte do livro e nos introduz à parte seguinte, Zooey, 25 anos, ator profissional, usa seu sarcasmo e humor ácido para criar um caos do qual só ele pode extrair a ordem na casa daquela família que, dos sete prodígios, perdeu dois: um, o mais velho, Seymour, por suicídio; o outro, Walt, um dos gêmeos, foi morto em guerra.

Com esses elementos, é natural pensar que é um romance de sofrimento, de fardo, ou algo muito sentimentalista, mas não é o caso. Talvez fosse, com outro escritor. Não quero dizer com isso que sou perito em estilismos literários ou um connoisseur da obra de J. D. Salinger. Tampouco sou um desses intelectualóides que lêem livros só pela grandeza do autor e fingem que estão sempre prontos para ir a um banquete de literatos da Londres do século XIX.

O primeiro livro que li de Salinger foi “The Catcher in the Rye” (“O apanhador no campo de centeio”, no Brasil), pois tinha lido um belo excerto dele no perfil do Orkut de um amigo e, ao visitá-lo em Curitiba, fomos comprá-lo (não o achava aqui em Salvador). Quem já leu sabe que não é livro de culto ou auto-ajuda, sequer tem a intenção de revolucionar a vida de alguém. Mas tem um forte apelo, pode ser até o que chamam de “Leitura de Formação do Indivíduo”; tem uma fluidez narrativa e de diálogo que parecem denunciar sua autoria.

Essa fluidez, essa musicalidade no contar da estória, combina perfeitamente com a temática zen de “Franny and Zooey”. Nada nela é doutrinário, há apenas um debate sobre filosofias e literaturas de religiões como catolicismo e budismo, é também sobre como, onde e se a fé deve ser buscada.

É indiscutível que a música clássica, por sua complexidade, fica gravada em algum canto da nossa mente depois de ouvirmos. Creio que, da mesma forma, os livros realmente bons que lemos ficam impressos em nós mesmos após a leitura. Para celebrar minha leitura deste livro (não é o melhor de todos, mas é ótimo), escrevo esta resenha ao som do Bolero de Ravel, uma sinfonia que ouvi nos primeiros anos da infância (creio que aos 5 anos de idade) e que me acompanhou a vida inteira por ser uma extraordinária marcha que, ao meu ver, conta a história do Começo do Universo e tem em seu Fim a harmonia e o estrondo.



Franny and Zooey
J. D. Salinger
Little, Brown and Company
ISBN-10: 0-316-76949-5
202 páginas
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Tuesday, 29 June 2010

RESENHA: "A identidade cultural na pós-modernidade"


A identidade cultural na pós-modernidade, escrito em 1992 por Stuart Hall, assemelha-se mais a um guia para compreensão da identidade cultural e sua relação com os indivíduos que a um livro didático de estudos sociológicos. Digo isso não só pelo seu formato diminuto (tem 12x18cm e 104 páginas), mas pelo método explicativo e linguagem adotados pelo autor.

O livro tem seis capítulos, com poucas páginas cada. Nos dois primeiros, Hall introduz o leitor a três concepções básicas do sujeito na História (levando em conta apenas a partir do momento que ele sai da sombra religiosa): o sujeito do Iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno; para explicar como este surge e como ele se dissolve na própria era pós-moderna para se tornar o que eu chamo de sujeito pixelizado – aquele que é composto por diversas partículas identitárias que ilusoriamente dão uma forma concreta a um indivíduo e este, por sua vez, se torna um pixel maior que compõe a imagem do local.

No capítulo 3, Hall apresenta os conceitos de nação, cultura nacional e identidade nacional, partindo do ponto de que as culturas nacionais são comunidades imaginárias. Há uma relação de interdependência aqui: o indivíduo busca sua pertinência na imagem do povo nacional e ela necessita da unificação desses indivíduos para ter o sentido que a coletividade fantasia ter. Nos capítulos 4, 5 e 6 o autor trata da Globalização e como ela afeta (infecta, mas não necrotiza) a relação entre o sujeito e sua fabricada identidade nacional, a qual reage ao fenômeno pela inclusão (e conseqüente reforma), subjugação do sujeito, hibridismo (sincretismo ou Tradução) ou resiliência (reforço da Tradição e retorno aos valores de raiz ou fomento do racismo cultural e xenofobia pelo fundamentalismo e ortodoxia).

Hall diz em todos os capítulos o que ele pretende explicar, como ele o fará e em quais conclusões nós (ele e os leitores) chegaremos ao final de cada um. Além disso, as repetições sumárias dos capítulos prévios, que iniciam e infiltram os seguintes, são tão reconfortantes quanto as proferidas pela sedutora voz de Mary Alice Young (Brenda Strong) em "Desperate Housewives". Durante todo o livro, ele usa referências de verbetes e citações de grandes nomes da psicologia, estudos sociológicos e da literatura, sem cair na mesmice de usar palavreados do gueto acadêmico. Entretanto, não é nenhum "Cultural Identity for Dummies!" É uma ótima leitura, sobretudo  para os leitores do tipo Um Homem sem Pátria, K. ou Lobo da Estepe.



A identidade cultural na pós-modernidade
HALL, Stuart. 11a ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006.
Título original: The question of cultural identity
Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro

Foto: Capa do livro. Fonte: Submarino.com.br
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Friday, 18 June 2010

RESENHA: "O lobo da estepe"







O leitor tem, na sua biblioteca, fragmentos de prismas que chama de livros. Eu poderia dizer que eles são espelhos refletores de sua identidade verdadeira, entretanto usei "prismas" porque, depois de ler esta obra, tento prevenir-me contra o impulso de reduzir a uma ou duas dimensões meu próprio ser, sobretudo no universo literário. O espelho reproduz a imagem do indivíduo e a limita a molduras e ângulos de visão, enquanto o prisma refrata essa imagem em várias partes e direções.


O lobo da estepe foi escrito em 1927, por Hermann Hesse (1877-1962), quando tinha 50 anos, a mesma idade do protagonista Harry Haller. Harry sente-se exausto aos 50, sente que já viveu e sofreu demais. Sua primeira mulher teve um ataque de loucura e um dia o expulsou de casa. Obviamente isso o traumatizou e ele, que sempre se dedicou aos deleites da vida intelectual (um ótimo leitor, articulista, apreciador de música erudita), sempre introvertido, acha difícil se socializar e também amar de novo. Por isso passa a definir-se como o Lobo da Estepe. O lobo também vive numa comunidade estruturada mas emana uma solitária essência.

“Como não haveria de ser eu um Lobo da Estepe e um mísero eremita em meio de um mundo cujo objetivo não compartilho, cuja alegria não me diz respeito! (...) Não sei que prazeres e alegrias levam as pessoas a trens e hotéis superlotados, aos cafés abarrotados, com sua música sufocante e vulgar (...). Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem ar nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível”. (páginas 40-41)

O autor nasceu em 2 de julho de 1877, na cidade de Cawl, na Alemanha e ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1946, porém sua vida não foi desde o início voltada para a literatura. Ele teve uma educação severa e guiada por questões teológicas, uma vez que seus pais foram missionários. Somente aos 19 anos ele pôde, de certa forma, romper esses laços e começou a trabalhar numa loja de antigüidades e livros em Tübingen e Basileia.

Hesse põe-se inteiro neste livro. Suas crenças, seus gostos, suas interpretações da vida social. Conhecer Harry Haller é como ter um mapa para a personalidade do Hermann Hesse - um mapa desenhado numa mesa de bar, com todas as imprecisões da embriaguez e dos disfarces ordinariamente usados nos alter ego, mas ainda assim um mapa. Apesar de expor o que pensa sobre a guerra, a burguesia e o capitalismo em outros romances, é em O lobo da estepe que ele se despe intelectualmente, faz um mea culpa, é franco sobre suas contradições mais íntimas e se pergunta se, com meio século de vida, talvez já fosse o tempo ideal para explorar partes suprimidas de sua persona – o Harry vulgar, o dançarino, o vulnerável, o social, o que ouve música popular e até o que aprende a ver beleza e erotismo tanto na mulher quanto no homem sem entrar em crise existencial.

Harry não está desesperado, nem deprimido. Ele já pensou no suicídio como já pensou na estética dessa ou daquela poesia ou no próximo pão, todavia não planejava se matar. Ele prefere a dor infernal de suas enfermidades ou a sublimidade, a elação de um ótimo vinho acompanhado de um divino concerto de Mozart – o que ele não suporta são os dias calmos. Ele é aposentado, mas até tem dinheiro. O que lhe sobra é o tédio.

Posso compará-lo a uma outra personagem da literatura internacional: Alice, de Alice no País-das-Maravilhas e Através do Espelho (escritos por Lewis Carroll). Alice inicia sua viagem pelo País-das-Maravilhas quando encontra-se entediada no parque, pois sua irmã estava lendo e não lhe dava atenção, o que a levou a seguir o Coelho Branco até sua toca, o portal para o outro mundo. Harry começa a sua depois de caminhar, solitário e entediado, à noite, e encontrar uma porta num muro que costumava às vezes apreciar, ao cruzar certos recantos velhos e esquecidos da cidade. Acima dela um letreiro dizia:


“Teatro Mágico

 Entrada só para os raros

                  Só para os raros”


Pouco depois de se afastar um pouco do lugar por não conseguir abrir a porta, o letreiro mudou: “Só para loucos!”. Como Alice, Harry precisou de um guia que não falava muito, apenas o incitava a curiosidade e mostrava o caminho: um vendedor ambulante e um cartaz onde se lia:

“Noitada Anarquista!
Teatro Mágico!
Entrada só para ra...”


Harry quis ir ao tal Teatro Mágico imediatamente e, assim como Alice teve de pensar muito para passar pela porta do Submundo, Harry recebeu como resposta “Não é para qualquer um”. Insatisfeito, quis comprar algo do vendedor e recebeu um livreto chamado TRATADO DO LOBO DA ESTEPE: Só para loucos.

Trata-se de uma jornada íntima, da auto-descoberta, por vias alegóricas, de um ser que só na maturidade aprende a não ofender sua própria inteligência dividindo-se apenas em dois: o bem (seu lado Homem) e o mal (seu sórdido lado Lobo da Estepe). O livreto é uma análise profunda e psicanalítica dele mesmo, entregue por um estranho. Alguns personagens aparecem para mostrar-lhe outras perspectivas do seu próprio eu; tais são Hermínia, Maria e Pablo. São desdobramentos da essência do Harry.

Hermínia (seu próprio nome é uma variação de Hermann) e Maria são seu lado feminino. Enquanto esta é seu lado mais mundano, a primeira é ele mesmo quase completamente, apenas com uma dosagem significativamente menor de erudição. As duas são garotas de programa. Maria é seu hedonismo sexual e se dá a Harry sem hesitar. Hermínia é seu par em perspicácia, seduzia Harry aos poucos para ele se apaixonar por ela e então matá-la, como ela mesma havia pedido. Pablo é o seu lado masculino despudorado, o homem ideal, bonito inclusive, com “olhos de mestiço”, um homem que Harry gostaria de ser (e ter) mas não tem coragem.

Pablo, o qual lhe foi apresentado por Hermínia, o conduz lá pelo fim do livro ao Teatro Mágico, um centro recreativo ao qual se chega com o uso de drogas. Para ter completo acesso, deve se livrar de todos os tabus e amarras, o equivalente a ir a um teatro real e deixar, na entrada, além do casaco e chapéu, todo o resto que cobre o corpo. Lá tantas coisas acontecem e o protagonista aproveita sua personalidade fragmentada dentro dos espelhos do Teatro para reescrever sua história, como num mundo paralelo, atrás de tantas outras portas.

Por tudo isso, é difícil encaixar este romance numa estante específica. Sim, é Literatura Estrangeira, mas deixá-lo lá, sem nenhuma outra pista sobre o que está em seu conteúdo, é como pegar um CD do Mozart e colocá-lo na estante de Música Internacional, cercado por Madonna e Marilyn Manson.

Este não é um romance estritamente psicológico, nem simbolista ou metafísico, muito menos de auto-ajuda. Na verdade, não é uma leitura para qualquer um. Não aconselha-se, por exemplo, aos utopistas e otimistas sujarem com seus dedos de algodão-doce as páginas deste livro e nem a estas sujarem com introspecção os olhinhos de unicórnio dos que só consideram importante a alegria patológica (histeria) e vêem no rebolar do quadril a salvação humana. Este livro ficaria no centro da minha biblioteca e refrataria os inúmeros raios que compõem minha identidade sobre todos os outros.




O lobo da estepe
Hermann Hesse
Tradução e prefácio de Ivo Barroso.
35a edição. Rio de Janeiro: Record, 2010.
Título original alemão: Der Steppenwolf
ISBN 978-85-01-02028-4

238 páginas

Foto disponível em http://1.bp.blogspot.com
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Saturday, 29 May 2010

Por que li este livro ou The Importance of Reading Ernest


Porque durante uma conversa com um amigo meu confessei que sentia falta de ler uma história (conto, romance, que seja) com humor afiado, nos moldes de Martin Page (autor de "Como me tornei estúpido"); algo sutil, que não fosse apelativo e definitivamente não recorresse a bordões ou frases de efeito em excesso. Eis que ele me empresta o livro que teria apresentado em nosso Círculo de Leitura quinzenal.



Por que almocei meu pai ("The Evolution Man, Or, How I Ate My Father"), do jornalista inglês Roy Lewis, foi publicado pela primeira vez no início da década de 1960. É uma história de ficção, narrada pelo homem-macaco (subumano) Ernest, filho do revolucionário Edward, um ser irriquieto, utópico, aterrorizado com a idéia de que sua espécie pudesse ser extinta caso não evoluísse rapidamente. Queria evoluir "em milhares de anos o que deveria evoluir em milhões", segundo seu irmão, chamado de Tio Vanya, o mais cético da família, que abandonou a mulher, Tia Mildred, com a horda do Edward pois ela não sabia subir em árvores.


Edward conseguia conviver com o fogo e usá-lo para aquecer-se nas noites de frio. Tio Vanya achava tudo aquilo um absurdo e expressava sua opinião contrária em toda visita que fazia, enquanto esquentava-se nas beiradas da fogueira. Contudo, aquilo não era o bastante. Edward não queria depender das erupções vulcânicas para manter sua família aquecida. Acabou descobrindo mais tarde como transportar as chamas a duras penas, o que lhe rendeu uma ampla caverna anteriormente habitada por ursos. Todos os animais tinham medo do fogo e agora sua pequena horda ganhava uma vantagem até mesmo sobre predadores perfeitos como os grandes felinos, tirando-os então da condição de carniceiros (como as hienas) e colocando-os na condição de competidores.

As mulheres e as crianças menores ficavam na caverna (que contava até com "varanda" e câmaras para a "despensa" e tudo mais), enquanto saia com seus filhos Oswald, Ernest, Wilbur e Alexander para caçar. Por sua sorte, cada um deles tinha um talento particular - Oswald era excelente na caça em si, Wilbur era ótimo em lascar pedras e melhorar as armas e até Alexander revelou-se o primeiro artista da História ao "aprisionar" a sombra do Tio Vanya com um desenho, deixando este furioso ao constatar que as loucuras revolucionárias do irmão afetaram seu sobrinho. O único que não tinha talento aparente algum era o próprio Ernest. Ernest, o Ocioso. Ernest, o Contestador. Ernest, o Crítico das Inovações Tecnológicas e Cívicas do incompreendido Edward, que para aprimorar mais a espécie, inclusive, forçou os filhos a iniciarem as primeiras uniões exogâmicas da subumanidade.

Ernest foi, no entanto, também o Sensato, além de o Empreendedor. Seu pai, idealista, na velhice ainda encontrava-se resoluto em compartilhar suas descobertas "científicas" com tantos hominídeos quanto possível, para num futuro próspero ir de A a B e encontrar o aconchegante fogo na porta de toda caverna de família. Coube a Ernest mostrar a toda a horda os perigos de divulgar esses avanços a outros, de graça, sobretudo após eles mesmos quase terem sido consumidos pelo incêndio causado por seu pai para provar que ele e o Wilbur haviam finalmente descoberto um jeito de FAZER fogo.

Edward havia jurado não contar a ninguém sobre tal descoberta, no entanto traiu seu grupo após entregar tudo (ou quase tudo) aos habitantes do lugar aonde queriam se mudar - num episódio que parece ter sido forjado. Ernest considera seriamente a sugestão de sua esposa de mandar o velho à "terra dos sonhos" de uma vez depois que seu pai, passado longo tempo sem inovações tecnológicas, o introduz ao segredo da manufaturação de arcos e flechas - o qual seria, obviamente, divulgado a todo mundo após o banquete de celebração. E com o evento tragicômico que foi a morte intencionalmente acidental do pai, Ernest encerra sua autobiografia que explica ao seu filho por que o vovô morava então dentro de cada um deles.

"E aquele foi o fim de Papai em carne e osso, meu filho, um final que ele teria desejado para si - ser abatido por uma arma realmente moderna e ser comido de modo civilizado". (Página 155)
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Monday, 21 December 2009

O pequeno Skywalker


"Eu quero a sorte de um amor tranqüilo,
com sabor de fruta mordida"
( "Todo o amor que houver nessa vida", Cazuza)

Você ficou aninhado no meu peito enquanto seus instintos o prenderam lá. Então, de repente, agita as asas silenciosamente e declara que não é mais meu cativo. Lá se foi, a divertir-se pelas vizinhanças, até que um dia encontrou algo reluzente na água que te fez desviar e mergulhar em sua direção.

Era um peixe. Mas que pena, você nunca soube o que era sentir fome - estando tão habituado a ser alimentado ou ao menos ter comida à disposição sempre -, não soube dizer se era o tipo de peixe que gostava ou não. Todavia, se ligou ao dono dele e dias se passaram carregando aquele perfume da amizade no ar. Ele te cativou. Que bem isso lhe fez? Ficou faminto e aquele homem não lhe permitiria saciar-se com aquele peixe, nem lhe proibiria. Um dia você acorda, ambos se mudam e sua fome só diminui com memórias do que poderia ter acontecido.

Você ainda é jovem, pensou, e após um tempo alça-se num vôo de dois dias a uma terra mais ao sul. Você acha que morreu e foi para o Céu. Era tudo perfeito. Você faz de lá a sua casa por mais de dois anos mas sendo o artista blasé que é, vai embora numa saída triunfal, dizendo a si mesmo que é, de fato, jovem demais para prender-se eternamente ao Céu. Você estava era com medo.

No caminho de volta, acha um farol e a comida agora vem em pares. São deixadas de bom grado, mas sempre apenas uma metade te atrai mais. Apesar da ótima hospitalidade, você odiaria ver a comida apodrecer e desperdiçá-la. Sabe que não pode viver lá, não pode morder as mãos que o alimentam. Portanto, só volta lá quando é chamado.

Você pára um momento e vê aqueles que são como você. Quando não conseguem prover para eles mesmos, ou furtam ou buscam restos. De qualquer forma, nunca é possível se satisfazer totalmente, mas dá para viver. As estações passaram e você conseguiu manter um segredo. A fome apareceu de verdade, no instante que você o viu. Mas ele é muito enigmático, você pensou. E se você for abruptamente e a toda velocidade e algo frustra mais outra tentativa, outra esperança?

Aí você vê que a casa fica vazia e o dono mais encantador. É algo mais sedutor que um peixe, e aparentemente mais aconchegante que um farol. Sua fome não é mais traduzida em atrações ilusórias, e a luz não emana do ambiente, mas dele mesmo. Brilha através dos seus olhos castanhos claros e sorriso tímido. Além disso, você se delicia com o som da risada dele. Você toma uma decisão: se a oportunidade aparecer, você contará a ele o seu segredo.

Eis que aconteceu. Você falou. Você tentou. Mas ainda parece ser bem-vindo lá. Mais uma vez, a amizade vence. Três vezes você deixou o amor correr livremente pelas artérias. E eu aqui, escrevendo-te esta carta, que será usada para enrolar seu "peixe com fritas", para lembrar-lhe de sair em retirada antes de voltar a se desdobrar todo por alguém. Eu te segui todo esse tempo, seu imbecil teimoso. Não vai demorar muito e o amor virá te caçar, com mais vigor e mais afiado que nunca. Mas seja mais racional.
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The flying beat


"Set me free
why don't you, babe
Get out of my life
why don't you, babe"
(Song: "You keep me hanging on")

You were nested inside my chest for as long as your instincts held you there. Then, suddenly, you flap your wings silently and declare you're no longer my captive. Off you went, frolicking around the neighbourhood, until someday you found a shiny thing in the water which made you swerve and dive down towards it.

It was a fish. But alas for you, since you never knew what it meant to feel hungry - being so used to be fed or at least offered food whenever -, you couldn't tell whether it was the kind you liked or not. Nevertheless, you bonded with its owner and days went by carrying that scent of friendship in the air. You were captivated by him. What good was that for you? You were hungry and that man wouldn't allow you to feed on that fish, nor would he forbid you. One day you wake up, they both move into somewhere else and your hunger is only sated by memories of what might have been.

You're still young, you thought, and after a while you go on a flight of two days to a land down under. You think you died and went to Heaven. It was all flawless. You make it your home for more than a couple of years but being the nonchalant artist you are, you leave off with a bang, telling yourself you are indeed too young to be settled forever in Heaven. You were actually scared witless.

On your way back, you find a lighthouse and your food now come in pairs. They're laid down for you nicely, but one half is always more appealing. Despite the great hospitality, you'd hate to see food rot and go to waste. You know you cannot live there, you can't bite the hands feeding you. Thus, you only return when summoned.

You stop for a moment to watch those who are like you. When you fail to provide for yourself, you become a rogue, or a scavenger. Either way you are never fully pleased, but you survive. Seasons went by you and you kept a secret from your friends. You were hungry again, all along, from the minute you saw him. But he was too hot and cold, you thought. What if you go veering down at full speed and something foils yet another attempt, yet another hope?

So you see the house become empty and the owner becomes more alluring. It's even more seductive than a fish, and seemingly warmer than any lighthouse. Your hunger is translated into feeble attractions no more, and the light doesn't come from the home, but from his core. It does shine through his clear brown eyes and his timid smile. Plus, you rejoice on the sound of his laughter. You made up your mind: if the opportunity presents itself, you will tell him your secret.

And so it did. You told him, you tried. You still seem to be welcomed there, though. Once again, friendship prevails. Three times you let love run freely through the arteries. And I'm here writing this letter to you, which will be used to wrap up your daily fish and chips, to remind you of retreating before you go bending over backwards for someone else again. I've followed you time and time again, you bloody, stubborn, stupid thing. It won't be long now, love will come hunting you fiercer than before. But be more rational.
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