O Processo contra o Lado de Fora
Certa manhã, ao despertar de sonhos intranqüilos, Franz Kafka encontrou-se em sua cama metamorfoseado num monstruoso... homossexual. Metamorfoseado não seria a palavra ideal, pois implicaria em transformação, o que indicaria alteração de um estado anterior do ser e isso seria definitivamente um exagero neste caso.
Eis o ocorrido: Franz Kafka teve uma epifania ao perceber somente então que a suposta cegueira paterna, com relação à sexualidade dos filhos, algum dia é curada espontaneamente. E naqueles tempos o Saramago não andava enlouquecendo-nos com suas verdades ácidas... Ah não. Mesmo que o fizesse, Hermann Kafka não perderia seu tempo lendo, afinal alguém tinha de cuidar dos negócios da família - e Hermann sabia que em casa não tinha outro homem para isso.
Desde que se meteu com a área do Direito, Franz Kafka - o qual a partir deste parágrafo será chamado de "K." - adquiriu a arrogância de achar que ao esconder-se atrás de pilhas e pilhas de processos, ele se veria livre do confronto diário com o pai e com aquele (metafórico) elefante purpurinado sentado à mesa para o jantar, rindo-se de tudo aquilo.
Ora, o pai de K. certamente ouvira, de uma forma ou de outra, de seus noivados com belíssimas donzelas. Nossa, quanto bom gosto esse meu filho tem! E compromisso?! Hah! O verdadeiro homem varonil aproveita a juventude, vira conquistador, deixando as moçoilas em casa a mendigar-lhes a atenção. Eu mesmo só casei porque não teve jeito. O filhão está no caminho certo. Ah, se ao menos a realidade refletisse a verdade...
Como ele faz isso? Que tipo de visão onipotente esse Hermann Kafka haveria de ter? Se me perguntassem, diria que não culpo K. pela sua angústia. Sua mãe acreditava em seu teatrinho, custava ao pai fazer um agradinho também? Afinal, K. nunca pedira para nascer, foi regurgitado por meios vagínicos neste mundo sem autorização! Mas que violação de Direitos Pré-Existenciais! Imagino como o mundo reagirá quando alguém finalmente resolver processar o pai tirano por isso.
Ah sim, os processos, a ejaculação da burocracia. E como K. adorava manuseá-los! Do seu (metafórico) Forte Militar formado por resmas jurídicas, K. imaginava acabar logo com tudo aquilo para curtir a night do seu século com os amigos. Pasmem, meu ex-colega (e flerte secreto) inclusive sonhava em virar uma traça, para poder devorar todos aqueles papéis. Na verdade, não importava qual inseto, desde que se alimentasse daquela terrível e enclausuradora celulose.
Sobretudo por reminiscências como essa eu senti sua falta naquela manhã. Deixei o trabalho e fui procurar meu frágil amigo. Tive fácil acesso ao seu quarto, uma vez que os pais de K. não questionariam um "Oficial de Coisas Jurídicas do Governo". K., atordoado com sua metamorfose, me pediu ajuda; fui pego pelo seu gaydar.
K. sabia que o juri popular foi acionado, alguém já o acusara. Mas quem? Precisava condenar esse difamador para ser absolvido. E eu iria ajudá-lo.
Continua...
1 comment:
Espero ansioso o desenrolar da trama. É incrível, como mesmo remetendo ao passado, a atualidade de tal tema se faz presente.
Avança-se tanto em algumas coisas, e em outras, continua no mesmo patamar de séculos atrás.
Haverá mudança algum dia?
xD
Post a Comment