Monday, 10 August 2009

The Man Who Sold the World


O. W. Foto: whatdoiknow.typepad.com


Eu não diria que naquele momento eu apenas despertei, pois seria me apegar demais às antigas tradições da sociedade à qual pertencia; diria, no entanto, que conseguir manter o foco nos olhos após uma longa e boa conversa, vinho numa mão e lápis na outra, era uma sensação familiar. Aliás, ficar bêbado é uma Arte neste lugar, como tudo em realidade o é. Pelo menos é isso que vejo, é isso o que me diz aquele que você poderia chamar de "O Criador", pouco antes de se levantar da cama.

Ele tem me ensinado muito desde a minha chegada. Leva-se um certo tempo para compreender essa nova dimensão que experimento desde que morri - se é que algo tão perfeito pode ser entendido através desse termo lamurioso, que evoca tão-só a fatalidade de libertar-se de sua carcaça. Antes que se pense em tal insanidade, deixarei claro: isto aqui não é o Céu ou Paraíso, termos plantados pelo meu jocoso Guia em uma de suas obras que gerou tanta controvérsia no meu (agora) suposto lugar de origem.

Quando o leitor souber o final da História do seu planeta, a Terra, ficará angustiado por não parar de rir, pois aqui não há Tempo, fica-se livre de todas essas amarras sistemáticas e mundanas. Não, o melhor daqui é a liberdade. O próprio Autor dos humanos (como você os conhece) disse-me que Se divertiu muito, com certa perversidade, quando contou a Spielberg que tudo é tão livre ali que Ele poderia inclusive vender-lhe os direitos autorais da Sua obra, 75% OFF. Spielberg havia acabado de sair do Purgatório (como nós ironicamente chamamos aquele lugar), e enquanto esforçava-se para escrever um cheque lembrou-se que não se livrara do asqueroso Capitalismo Fundamentalista. Teve de retornar ao Estágio 01 do Treinamento de Adaptação. O diretor, que num acesso de humor rotulou-se um "has-been", disse que voltar para lá não era tão ruim, já que imaginava sempre e secretamente estar numa orgia na Área 51.

Tenho consciência de que qualquer religioso já teria excomungado este conto assim que terminasse o primeiro parágrafo, mas explicarei minha aparente arrogância. O Criador do qual falo não é a imagem onírica de Deus. Este nunca existiu. Refiro-me ao maravilhoso homem inventor de toda a saga do homo sapiens, por conseqüência o inventor de Deus.

Lembro-me de quando Ele me contou como se deu toda a História que me ensinaram na (agora) fictícia escola. Disse-me ter criado o mundo e o universo quando ainda era imaturo, começou num conto e acabou num romance. Imagina ter sido força do belíssimo ócio, não tem muita certeza, só Se recorda de tê-lo esboçado naquele estado de transe quando não nos submetemos ao sono e tampouco estamos acordados. Perguntei-lhe uma vez se não tinha receios de ser chamado de louco pela complexidade do seu sistema, eis que me é explicado o conceito de loucura deste lugar.

Aqui a Loucura é vista como um ato corajoso da mente, trata-se de se aventurar pelo desconhecido, como adentrar uma floresta à noite sabendo que logo virá a manhã para que seu progresso seja apreciado. É precisamente aquilo que justifica a nossa Inquietação natural. Numa realidade onde tudo é regido por ondas cerebrais, conexões psíquicas, nada seria mais lógico. O crime aqui é ser conformado, não há uma só alma sem traços da tal Inquietação. Nada é óbvio demais, o humor é o mais perfeito, não é preciso explicar piadas toda vez. Todos riem de piadas inteligentes, já que é esse o inevitável caminho de uma rica formação cultural.

Após deleitar-me com essas palavras doces, disse-Lhe sorrindo que achei meio cruel valer-se de privações inexistentes neste lugar e colocá-las na Terra, onde precisávamos de líderes sociais, pois o homo sapiens era demasiado bestial em seu âmago para alcançar o nível mental do homo ars. Todo artista era visto como louco no sentido doentio que a palavra ganhou, ninguém podia viver puramente do seu talento artístico, era tudo feito sob demanda, tudo sempre mirando o chão, nunca o infinito. Sorri por achar genial isso, agora que vivo num Socialismo que cultua o Individualismo dentro da Arte.

Depois de uma boa tarde juntos na rede, perguntei a Ele como julgara sua estadia no próprio mundo que criou. Respondeu com aquela famosa feição sarcástica Dele, eternizada em uma estátua, que não poderia achar mais engraçado ser condenado por uma das coisas que ele mais amava na vida e ser absolvido completamente por outra. Esta última se refere à sua Arte. Aquele sarcasmo me faz tão bem. Ele o usava constantemente, era fã da metalinguagem, por isso enquanto escrevia o conto da Terra, escreveu a Bíblia e outros compêndios dogmáticos, além de peças e novelas ironizando a vida na sociedade inglesa do século XIX. Enchi Seu copo de vinho. Ele me chamou de pseudo-patrício. Eu disse que amava esse lado Dele. Ele me disse que Se baseou em mim quando escreveu sobre Dorian Gray, só que quando me criou esqueceu de adicionar toda a beleza. Respondi que havia ficado satisfeito com o lapso, me ajudara a chegar lá e merecer ficar ao Seu lado.

1 comment:

Júnior Santos said...

Diferente de tudo que já li sobre o "outro lado", conseguiu prender a minha atenção e despertar minha curiosidade.
Peço uma continuação!

xD

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